Boas Vindas!

Aos amantes do Direito, enquanto manifestação mais pura da Ética Filosófica, enquanto parte do estudo das Humanidades Clássicas; Aos amantes da Literatura, da Retória e da Estética; Aos amantes do Belo. A todos vocês, inclusive, os curiosos, ofereço este trabalho tão revigorante, as palavras que escondem dentro de si próprias maravilhosos significados, uma verdadeira aventura rumo à contemplação da Realidade, à libertação da mítica caverna de platônica, à redenção do gênero humano que é livre para conhecer, amar e servir.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Soneto LXXXVIII

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Os dias a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi[m] negada sua pastora,
Como se a não tivesse merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta vida!

Fonte: CAMÕES, Luis Vaz, in Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias. Nicola, José de. Ed. Scipione, 1998, p.73.

Saudades do Areópago!

Os Casamentos de Jacó e o Direito das Obrigações

A bíblia dos cristãos é, sem dúvida, uma grande contribuição para, além dos termos da fé, as questões relativas ao Direito, de vez que narra e desenvolve o pensamento dos hebreus antigos. Coèlet dirá no Eclesiastes: “o que aconteceu, de novo acontecerá; e o que se fez, de novo será feito: debaixo do sol não há nenhuma novidade” (Ecl.1,9). Magnífica lição, essa, que atravessou milênios e fará refletir o Direito das Obrigações!

Para recordar, Deus fez uma aliança com Abraão prometendo uma descendência numerosa “as estrelas que há nos céus”. Abraão veio a ter um filho (Isamael) fora do casamento, com Agar, escrava de sua esposa Sara. Contudo, Ele concedeu aos já idosos Abraão e Sara um filho, o qual, Javé pede em sacrifício (obrigação de dar coisa certa) e Abraão procura adimplir, quando no segundo vesperal do sacrifício (ato de matar o filho em honra de Javé), o próprio Altíssimo recua de seu “direito”, para provar a fé de Abraão, e decide mudar o objeto da obrigação: no lugar do filho de Abraão, um animal preso pelos chifres nos arbustos, nas proximidades. O objeto agora é lícito, possível e determinado. Abraão concordou. Ora, o que mais lhe seria benfazejo, renunciar à vida do próprio filho ou à de um animal? De logo, percebe-se que a vida de Isaac já se encontra bem próxima do nosso objeto de estudo.

Isaac vem a ter dois filhos: Esaú, o ruivo, e Jacó, litigante desde o ventre materno (nasceu agarrando o calcanhar do irmão). Aquele que gozava do direito de primogenitura sobre este. Para que não se estranhe a forma como Jacó será prejudicado numa relação jurídica mais tarde, perceba-se sua “generosidade”. Certa vez, houvera feito um cozido. Chega-lhe o irmão ruivo cansado e esgotado, pois voltara do trabalho no campo. O primogênito pede da comida ao irmão, que só concorda em VENDÊ-LA pelo direito da primogenitura. Efetivamente, com um irmão desses, qualquer inimigo é peça dispensável ao drama. Aceito! O negócio é válido: agentes capazes, objeto composto pela justa tríade (licitude, possibilidade, determinabilidade) e forma escrita ou não defesa em lei, suprimível, dada a oralidade marcante nas relações jurídicas daquele tempo. Não obstante, Jacó em conluio com a Mãe, fantasia-se de Esaú a fim de furtar a bênção irrevogável que seria destinada ao Esaú. Isaac no liame da vida é servido em refeição por Jacó, pensando, o velho, ser Esaú, reconhece a voz, mas as roupas confundem o patriarca já cego. Negócio viciado de dolo por Jacó, preceituado no art. 142, do CC/02, Isaac não pôde, pela cegueira, identificar corretamente.

Esaú enfurecido quer satisfações de Jacó e, este, mais uma vez em conluio com a Mãe, Rebeca, prepara-se para fazer a vontade do pai, casar-se com uma das suas primas, que habitavam em Padã-Arã. Em chegando lá, o tio, Labão — pai de Lia e Raquel — muito feliz pede que fique, e promete-lhe remuneração, o avençado: a filha Raquel. Sete anos arduamente laborados, diuturnamente pensando na recompensa, casar-se com Raquel, estar com ela, voltar para casa, ter filhos com ela, ser feliz, foram certamente esses os sentimentos que habitaram o coração de Jacó. Findo o prazo, Labão dá uma festa. Jacó, certamente já ébrio, pelo fato de ao fim da festa receber a outra filha, Lia, sem notar diferença, vem a consumar as núpcias com esta. Finda a ressaca vem a rebordosa, ah, o objeto é diverso do avençado! Mas não há como voltar atrás, naqueles tempo e lugar não vigia o Código Civil Brasileiro de 2002.

O Tio, de ma-fé, houve silenciado a tradição do lugar, que era de a filha mais velha casar-se antes da mais nova. O costume, fonte do direito, interferiu no contratado. O negócio seria anulável, o silencio preceituado nos arts. 111 e 147 CC/02 viciou o negócio. O Tio Labão não viu óbice à situação. Pacta sunt servanda! Ficar mais sete anos para, enfim, ter a Raquel como esposa. E assim foi aceito e feito! Jacó recebeu, enfim, sua recompensa, Raquel.

Em sinopse, a coisa entregue foi diversa da avençada por pacto viciado pelo silêncio de lei consuetudinária por Jacó ignorada e com dolo de aproveitamento por parte de Labão (interessado na força laboral do sobrinho). O sobrinho ébrio, celebra a tradição (na recepção da coisa), consumando núpcias. Tenta Labão, ainda, fazer sólida sua palavra e, por conseguinte, o pacto (rebus sic stantibus), estabelecendo nova prestação para que se auferisse o objeto original.

Se não é exclusividade dos tempos hodiernos a quebra do sentido de justiça, assim diga-se, pois como visto em Aristóteles, a justiça presente é análoga à Universal (Ética a Nicômaco), há de corroborar, com a sabedoria do Eclesiastes. Realmente, “o que aconteceu, de novo acontecerá; e o que se fez, de novo será feito: debaixo do sol não há nenhuma novidade”.

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
enterro da tua última quimera
somente a ingratidão — esta pantera —
foi tua companheira inseparável.

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende o teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro
a mão que afaga é a mesma que apedreja .

Se alguém causa inda pena a tua chaga,
apedreja essa mão vil que te afaga,
escarra nessa boca que te beija!

ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1998.

Desde o Areópago!

Também ser Fera?
Comentário ao IV Capítulo de “A Liberdade”, de John Stuart Mill.

O paraibano Augusto dos Anjos mui bem denota o ensino do escritor Inglês “dos limites da autoridade da sociedade sobre o indivíduo”.

A posição do homem para com a sociedade é qual membro para um imenso corpo orgânico, postulou Aristóteles, de sorte que protegido há-de guiar-se com fins no bem-comum. O que não deve representar para si violência desde que sua missão é não sendo injusto, inclusive para consigo, que tal injustiça não seja atribuída à humanidade ou aos seus pares.

“Justiça é a disposição do homem para praticar o que é bom e équo”. E, liberdade “a faculdade humana para agir segundo o pensar e o querer”. De modo que a verdade há-de ser partejada, como outrora propusera Sócrates para concretizar o caminho reflexivo provocado pelo Oráculo de Delfos (Conhece-te a ti mesmo). Aceitar verdades pré-moldadas é um verdadeiro acinte à maior das capacidades humanas: o pensar – “cogito ergo sum” – Descartes.

Mill apresenta-nos três exemplos que ratificam seu argumento, sobretudo adversos à rigidez moral acéfala imposta pelo calvinismo de seu tempo. Primeiro, a propositura de uma lei contra o consumo de bebidas fermentadas; segundo, o descanso sabático; e, por derradeiro, a discriminação para com a poligamia nos Mórmons.

Irrelevante será pensar na Revelação Divina qual mera cartilha de normas e procedimentos legada pelo juízo judaico-cristão que meneou a formação da sociedade ocidental. Irrelevante será deixar-se devanear creditando a verdade sofística. Irrelevante será, ainda, crer que praticamos qualquer coisa que diferente das cruzadas. “Não basta saber dos outros incrédulos, há-se também de perseguir?”. E o fazemos quando submetemos a um fado sombrio os pobres, as prostitutas, os homossexuais e tantos mais, marginalizando-os, tipificando-os quando o adultério e a áspide da perfídia reinam em tantos lares camuflados pelo cumprimento das responsabilidades elementares.

Portanto, não se consinta caminhar qual cordeiro irracional atrás do argumento de muitos, ad populum; dos famosos, ad verecundiam; ou dos poderosos, ad baculum. Porque até mesmo o dogma tem sua função educativa e assimilatória. Stuart Mill vem ao lado da Lógica Sofismática aristotélica para apresentar-nos a verdadeira liberdade individualmente partejada ignorando o pensar alheiro que afaga e apedreja segundo suas conveniências.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Retorno em alto estilo

APOLOGIA FEMININA

“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas”.

A vida, complexa como si só: de um lado a força e a bravura, doutro a delicadeza e o cuidado. Que angustura perceber o merencório olhar refém das águas, que apesar de contidas, modelam os fiordes noruegueses. Ergue-se a cada dia, para além do que aparentemente está posto ou que de forma rasa possamos imaginar, um império de aniquilamento da própria identidade feminina, a qual tem por fim o desequilíbrio social a partir das famílias, através dos valores.

Contemplar as mulheres de Atenas é ao mesmo tempo condoer-se com a realidade marginalizadora dos gineceus nos quais se aprisionam “donas de casa, professoras, bailarinas
moças operárias, prostitutas meninas”, nos dizeres de Joyce; é ver em pleno século da razão a mais vil demonstração de dominação e servilismo; é desenganar e desesperar-se ante o processo de imposição de imbecilização da mulher. Inadmissível!

A grande verdade é que em pouco, para ser generoso, evoluiu a sociedade ocidental, no que diz respeito à mulher. Compreendo que não só basta dar a essa parte tão especial da sociedade os lugares que lhes são de direito nas cátedras das universidades, nos grades conglomerados empresariais... mas é preciso inculcar que a mulher, para além da concepção de fragilidade, a qual entendo por rasa e falaciosa, e de minoria, ao menos na litigância ativa por seus direitos o é, que a lattere do homem, de sua costela se faz. O que quer dizer, em outras palavras, que qualquer afirmação de direito feminino tem de ser eivado de prudência, para que não se caia num reforço de algo que é de per si essencialmente fraco. Jamais!

A afirmação da identidade feminina positiva vai na contramão da exploração midiática, da pretérita Amélia, da mulher que busca no embelezamento, exclusivamente, a competição com seus pares e a caça de bons partidos, da mulher que deve compor um padrão escravizador, no qual ela não tem o direito de ser, mas de ser como as demais ou como o padrão. Logo ela passa a não-ser. Em síntese, é a mulher alienada que deve restringir-se à culinária, à moda, à estética, à luta contra os efeitos do tempo em seu corpo, exclusivamente.

Antes, viviam para os maridos e passaram a viver para si, para depois, viver para a sociedade. Que retrocesso. Será que ainda hoje persistirá a figura da mulher que quer ser sustentada por uma conjuntura além de si? Persistirá a visão de que a conquista afetiva se faz mediante demonstrações de poder e dominação, o que analogamente, se faz com a paga às prostitutas, que por mil vezes, parecem ter, se é que não têm mais dignidade que senhoras aparentemente acima de qualquer suspeita?

A culpa original não mais recai sobre a mulher, pois que ambos à serpe deram ouvidos. Não há mais que oferecer sacrifícios pela humanidade, achando-se culpada eterna da desgraça e da discórdia – ah, Helena. E, agora, onde reside a redenção? A saída se faz mediante a racionalização, primeiro, de sua condição, enquanto construtora também da civilização, o que por anos se fez silenciosamente através da educação dos filhos.

E, a provocação vem a seguir: quantas mais precisarão sucumbir para que se compreenda que mulher não tem a ver com interesse de vil metal como não tem que ver com mera estrutura anatômico-corpórea aceitável pelo padrão estético e que essas coisas acidentais lhes desvirtuam, apesar de aparentemente serem inofensivas? Quanto sangue mais será derramado para que se compreenda que a agressão física ou verbal do companheiro não são demonstrações de amor e cuidado, antes significam a desiderato de dominação por influxo de um profundo complexo de inferioridade e saudades dos carinhos de mãe – Édipo? Quantas precisarão seguir sofrendo vilipêndio da sua dignidade sexual de forma privada e pública, por que é isso o que faz questão a mídia de ostentar? A mulher não pode mais ser tabernáculo de ternura e acolhimento, antes é a personificação da profanação de Sodoma. Quantas e quantas palavras para além das mulheres de Atenas têm de ser proferidas para que se compreenda que ainda se emparedam mulheres e que mulheres que pensam ainda são tidas por bruxas?

E, diante de tudo isso, só algo, enfim, para exortar: mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas, e... não o sigam.